quarta-feira, 17 de março de 2010

é como se não houvesse.

Pontos
Ponto de partida para uma nova etapa de vida. Tudo devidamente anotado. A lista era extensa e ia desde encontrar rápido um novo apartamento até o que cozinharia na inauguração. A mala na porta da antiga casa imóvel denunciava o saudosismo de quem não queria ir embora sem antes dar uma boa olhada nos restos de vida que ficaram nas paredes, nas salas e no escritório. A casa mais parecia um ponto comercial. Inevitavelmente à medida que expandia seus negócios diminuía sua vida afetiva e social. E no fim de tudo, após essa proposta irrecusável de sair da cidade, não lhe sobraram muitas pessoas para se despedir. Pensou como quem pensa os tolos que era melhor assim. Agora é só correr até o aeroporto e vida nova. As aeromoças circulavam pelo corredor do avião oferecendo a refeição. A senhora magra e grisalha acariciava uma criança, o senhor da esquerda abria uma revista sobre vinhos e a moça ao lado começava a escrever no diário. Deduziu que a moça tinha alguma paixão para contar ao seu diário e que o gordo do lado era um beberrão e que a senhora era mesmo a avó da criança. Durante bom tempo se perdeu na observação dos personagens, nos gestos dos que passavam e sentavam. Percebeu assim, que as pessoas existiam, como num passe de mágica. Tentou e não conseguiu lembrar a quanto tempo não observava as pessoas, não se dedicava a elas. O trabalho lhe tirou o prazer de abrir uma boa garrafa de vinho, de escrever um e-mail a um colega de regar seu jardim. E-mails eram apenas para saber dos resultados de suas aplicações e bobices referentes ao trabalho. Ia ao jardim com a mesma freqüência que fazia doações a igreja. Mas, naquele dia, uma espécie de insight invadiu seus poros boca adentro. Que espécie de vida estava levando até ali? Estava indo para outra cidade e o plano inicial era formar clientela, ganhar mais dinheiro, ser reconhecido em sua profissão, dar palestras e... E o vazio o aterrorizou. Queria respirar, mas o paletó lhe apertava como uma camisa de força. Por que isso? Por que pensar nisso agora? Era mais uma vez se enganar, não era de agora, não era de hoje que esse sentimento lhe atacava o juízo. A agonia ia e vinha e o esconderijo para isso era o trabalho e os lucros. E se fosse pensar onde o fio de tudo se perdeu era quase impossível. Pessoa infeliz e amarga, desde que a Luisa o deixou com dois filhos a menos e quase metade de seu salário e bens concomitantemente. Não tinha como condená-la. Em casa todos se acostumaram a não ter pai e sua figura para os meninos se resumia a alguém que transitava entre o escritório e a garagem. Ninguém conseguiria viver assim por muito tempo, a Luisa até suportou demais. Era esse insustentável medo de perder as pessoas que o fazia não tê-las. E essa vida miserável o atraia como o mel atrai as abelhas. Lamentar o passado não era a solução. Ao aterrissar tentaria contatar Luisa, ela ainda o amava, todos sabiam. Além do mais, as crianças sentem minha falta, outro dia o mais velho me mandou uma mensagem via celular. Essa vida nova não teria sentido sem eles, pela primeira vez em anos parecia sóbrio e sensato. Ligaria para Luisa, ela voltaria pra ele. As crianças iriam adorar a nova cidade, os novos amigos e os novos brinquedos. Trabalharia menos, tinha bastante status pra conseguir isso. Era o melhor no que fazia. Irei tê-los de volta. Minha vida finalmente terá sentido, tenho certeza que amo a Luisa e as crianças.
-Senhores passageiros não entrem em pânico, coloquem as máscaras de oxigênio.
-Que Deus nos ajude!

sábado, 13 de março de 2010

mesmo que você fuja por labirintos e alçapões..me leve até o fim.

Becos e botecos.
O dilema entre o real e o irreal, absurdamente pulsante em todos os poros.
O amor é/ será balela? A preocupação de todos os parágrafos: amor, fonte de todas as dores do mundo. Porque não há outro sentido para a falta do nexo.
Estamos sós? Não sejamos sós!
A fresta que se abre dia a dia entre mim e eu mesmo nunca retrocederá. Morro sem saber quem sou.
Do útero para o espaço sideral com uma cápsula de molas e cicatrizes. Conectar/obter/atualizar. E o desconforto agarra as entranhas estranhamente. Vi o filho da vizinha remexer o lixo, vi a boca do meu avô aberta, vi as pequenas mãos dos Joãozinhos jogando comida fora. Vi o carro, o hipermercado. O bar, o cheiro da treva. Vi que os pássaros cantam e pessoas andam. É uma roda, um grão, um empurra que eu vou quando vê, já fomos!E estamos secos. Ocos. Vejo o magro poeta na chuva. E a rainha na casa cinco que viola as leis. A tinta da caneta pode acabar e os sons das palavras continuam, vão.
Famigerado.
As rupturas mais sacanas são saradas com mertiolate e ventilador, haja ventilador!
Têm verdinhas rolando solta na capital, tem voz morrendo dormindo.
Não vale chorar: “seu padre toca o sino que é pra todo mundo saber”.
Não fale mal das coisas simples, não fale da morte, nem de assuntos pueris.
Não fale o que não sente e nem invente, só se tem o que se dar.
E tudo sobra se apara, não para e não vale chorar.
Amo e me engano, me cobri de redondilhas. O que me redime é que não é crime.
Tenha alguém, deixe de ser incoerente e cuidemos de nossas vidas, hospícios e cavaquinhos.
O amanhã diz.